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Resposta a um artigo de Marina Costa Lobo no Jornal de negócios – 05/05/2010

to marinacosta.lo.

Boa tarde,

Eu li hoje o artigo de opinião que escreveu para o Jornal de Negócios, e não sendo um assunto novo para além do estado de crise que as novas realidades internacionais impuseram.

Eu não estou optimista em relação à capacidade de PS e PSD, ou outro qualquer partido, de resolver os problemas que eles próprios criaram.
Não estou a dizer com isto que preferia não viver em democracia, mas não vejo uma liderança credível com os pés assentes na terra.
Nem vejo uma participação popular que esteja informada, e que vá para além de uma visão paroquial dos problemas.

É que nestes últimos 20 anos pouco ou nada foi feito no sentido de resolver os problemas estruturais da economia portuguesa, aliás o que foi feito resultou num conjunto de problemas mais graves que passo a enunciar:

– A grande maioria das actividades económicas têm baixo valor acrescentado ou estão em sectores de bens e serviços não transaccionáveis (e onde não há concorrência com o exterior).
– O défice externo da balança comercial e financeiro está a níveis tais que se não tivéssemos no Euro teríamos que desvalorizar a moeda, subir os juros e um plano de ainda maior austeridade.
– O sector publico está fora de controlo em termos de despesa, em que o estado e o poder local consomem recursos sem ter em conta a viabilidade e resultados práticos no terreno.

Estes são os elementos visíveis e mensuráveis que resumem os nossos problemas, no entanto não são as causas.

Infelizmente caímos no mesmo caminho que os nossos antepassados, aquando do comercio de especiarias e do ouro do Brasil, e que logo que temos acesso a grandes fluxos financeiros o que fazemos é no sentido de gastar esse dinheiro em consumo e em investimento com baixo retorno económico.

Ao nível de organização dos nossos recursos cometemos erros ao querer convergir através das estatísticas, por exemplo na educação as regras do jogo foram alteradas nesse sentido. E com isso o que se conseguiu foi um ensino que não ensina ao nível dos conhecimentos mais básicos e que rouba a possibilidade a muitos jovens poderem subir socialmente. E pode-se dizer que hoje em dia o que conta em Portugal é o diploma e não o conhecimento.

O sistema judicial não está a funcionar, e não vai funcionar enquanto o direito processual não for revisto de uma forma pragmática, que se deixe de brincar às leis e o que sai no diário da república seja mais coerente e mais espaçado no tempo. E os agentes da justiça terão que ser responsabilizados pelos resultados, porque o sistema não pode tolerar a morosidade que não é justificada por um processo de investigação a decorrer.

Uma coisa que também é importante, e que desde que estou a trabalhar em Inglaterra é mais visível para mim, é a nossa tolerância com a inépcia e a incompetência ao nível de gestão. Em Inglaterra um gestor que não atinge resultados é sumariamente despedido, e essa pessoa não fica ad aeternum a movimentar-se entre a politiquice de escritório a fazer mais mal do que bem. Quem gere tem que ser responsável pelos resultados que obtém, e esse não é o caso aqui em Portugal na grande maioria dos sítios onde trabalhei.

Neste momento há uma série de coisas que já não podemos contar para crescer em termos de PIB:

– A percentagem de mulheres a entrar na vida activa estagnou.
– A taxa de natalidade é demasiado baixa.
– A relação produtividade / salário não é favorável para as industrias tradicionais com uso intensivo de mão-de-obra.
– Estamos a atingir o limite em termos de infraestrutura que podemos construir em que o retorno económico seja sustentável (se é que já não foi atingido).
– Uma vez que a base tributável da economia vai diminuir por atrito não vai ser possível aumentar o emprego publico e recorrer a politicas Keynesianas.

As soluções vão ter que passar por:

– Simplificação curricular no sistema educativo, eliminar os excessos ideológicos e foco nas cadeiras nucleares de línguas e matemáticas.
– Acabar com o sistema de colocação de professores, fixar os professores com contratos de longo prazo e dificultar o acesso à actividade através de exames.
– Integrar a infraestrutura existente e valoriza-la, por exemplo o porto de Sines devia ter ligações ferroviárias com Espanha e com Lisboa.
– Fechar ou vender infraestrutura que não é sustentável, por exemplo hospitais, universidades, fundações e empresas publicas.
– Eliminar gastos que não tenham um retorno social e económico alargado, por exemplo a colecção Berardo, as Scuts, apoios a clubes de futebol, entre outros.
– Criar um departamento de controlo financeiro com garras, e que tenha poderes vinculativos, cuja função seria escrutinar as contas  de instituições do Estado e cortar nos custos.
– Limitar os gastos com contribuições sociais em relação à base tributável, limitar novos gastos e tornar socialmente coerentes os apoios dados.
– Limitar o uso de métricas estatísticas manipuláveis na avaliação de resultados de politicas, a avaliação deve ser feita por especialistas e decisores com informação transparente.
– Limitar a produção de novas leis, e fazer um esforço para tornar o sistema estável e consistente.
– Cortar com o passado e acabar com as rendas antigas e agilizar o mercado de arrendamento.
– Acabar com os horários prolongados nas grandes superfícies, pois estes estão a matar o comércio dentro das cidades e estão a pôr uma maior fatia do valor acrescentado nas mãos de franchizers multi-nacionais.
– Limitar os gastos que podem distorcer a economia no sentido dos bens não transaccionáveis, seja em obras publicas, seja em TIs (aqui se houver contenção legislativa seria possível realizar grandes poupanças ao mesmo tempo que seria possível agilizar os serviços).

Esta lista podia ser maior, mas o que é importante é passar aos agentes económicos uma imagem de consistência e fiabilidade.
E fazer os agentes económicos privados rê-centrarem as suas actividades fora da alçada do Estado.
Senão, não são novos desafios que nos esperam, mas sim o declínio. 

Com os melhores cumprimentos,

Carlos Conceição

PS – Não obtive resposta, mas era previsível que assim fosse 😀

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