Uma das ladainhas mais comuns dos economistas, confederações patronais e políticos, é que os trabalhadores Portugueses têm que ser mais produtivos se querem ter aumentos de salariais. Isto tem como premissa que os trabalhadores têm o controlo das chaves para o aumento da sua produtividade. E que a maioria está a trabalhar longe do seu potencial, e que precisam de se esforçar mais.
O problema é que o que está sub-entendido não é que eles sejam mais produtivos, o que está sub-entendido é que trabalhem mais horas, que corram mais riscos para fazerem o seu trabalho, que por isso trabalhem em piores condições. E que estejam em disponibilidade total em relação às entidades patronais. A questão que se põe é, qual seria o incentivo que a entidade patronal teria para aumentar os salários se sem os aumentar teria tudo aquilo que queria. Aliás esta linha de argumentação é falaciosa e obscurece os aspetos que são os elementos mais fortes que levam ao aumento de salários. Coisas como:
- Maior competição pela mão-de-obra disponível.
- Sindicatos capazes de lutar por acordos de contratação coletiva.
- Uma economia em crescimento.
- Legislação laboral que seja eficaz em evitar abusos.
O grande problema é que na sua maioria os economistas, patrões e políticos não sabem o que é a produtividade na pratica do dia-a-dia. Muitos confundem produtividade com o numero de horas trabalhadas e com o excesso de movimento. No fundo acham que o zelo se mede pelo entrar cedo e sair tarde, de fazer mais que um turno ou por se mexer de forma muito energética. Tudo coisas que podem ser simuladas, e que não exigem que alguma coisa seja realmente feita. Do outro lado estas personalidades não entendem que estas coisas que querem forçar, para tentar espremer mais trabalho dos trabalhadores que têm, são na sua maioria contra-producentes.
Uma realidade que escapa a muitas pessoas é que trabalhadores considerados muito produtivos como os Japoneses e Sul-Coreanos, na realidade não o são. Em muitos casos porque as horas que são obrigados a passar no escritório, ou no seu local de trabalho, são para agradar aos seus chefes. A estrutura praticamente feudal da sua cultura de trabalho obriga-os a fazer atividades que nada têm a ver com o negócio, são apenas forma de mostrar lealdade às estruturas hierárquicas. O que acontece, é que as estruturas que são altamente produtivas nestes Países têm a sua produtividade relacionada com outros fatores que pouco têm a ver com a feudalização das relações de trabalho.
Antes do Prato Principal Algumas Considerações
Antes de começar é importante caracterizar os fatores que contribuem ou estão envolvidos na capacidade de um País produzir, e estes são:
- Força laboral : Quantidade, composição, estrutura e distribuição do tipo de mão-de-obra. E a sua distribuição por sectores de atividade.
- Capital : O capital investido em forma de equipamentos, infraestruturas e edifícios que são utilizado dentro de um sector de atividade.
- Contexto
- Organizacional : A forma como cada sector de atividade está enquadrado em termos organizacionais, e as formas dominantes de organização do trabalho e tipo de entidades empregadoras.
- Geral : Todos os restantes elementos externos que são necessários para cada sector de atividade. Infraestruturas de transportes, energia, regulamentação, mercados, etc..
Um dos aspetos mais importantes para um sector de atividade ser mais ou menos produtivo é a forma como o investimento de capital em equipamentos pode ou não ser um fator multiplicativo da produtividade. Vamos chamar a isto um fator de escala, e se uma atividade é escalável isso significa que um trabalhador tem um efeito multiplicador proporcional ao capital que foi investido. Por exemplo, um operário na industria do papel tem a sua produtividade condicionada pelo tipo de maquinaria e processo industrial. Sendo que estes não foram escolhidos por ele, mas pelos gestores ou os donos da empresa. O operário pode ser responsável pelo bom funcionamento dos equipamentos e manter o processo dentro dos parâmetros desejáveis. Mas, a sua produtividade está fundamentalmente ligada ao capital investido e ao melhoramento continuo dos processos.
Do outro lado, temos atividades não escaláveis tais como a maioria das atividades de serviços. Que na sua grande maioria estão dependentes do tempo disponível de uma pessoa, e por isso têm um limite na quantidade em que o serviço pode ser proporcionado. Por exemplo, um médico de clínica geral que faz consultas ao publico. E em que cada consulta dura em média 30 minutos, vamos ter que numa jornada de 8 horas vai poder assistir mais ou menos 16 pacientes. Isto, com muitas simplificações porque o número pode ser ainda menor se considerarmos que certos pacientes podem requerer mais atenção.
Serviços não escaláveis como limpezas, hotelaria, medicina, ou cabeleireiros, etc. têm limites para o quais o capital investido pode gerar maior produtividade. Isto torna estes sectores de atividade muito mais expostos à variabilidade individual de produtividade na população ativa. E conforme o nível de sofisticação do sector, o nível de formação e experiência dos trabalhadores e profissionais, isto vai ter feitos na majoração ou minimização da produtividade do sector.
Isto vai significar que em regra geral, os sectores de industria com elevado investimento de capital são mais escaláveis e por isso mais produtivos por trabalhador. E os sectores de serviços com maior intensidade de uso de mão-de-obra e baixa intensidade de capital são menos escaláveis e menos produtivos por trabalhador. O aspeto que pode mudar esta consideração é o valor que estes serviços podem cobrar, e isto tem implicações em termos de contabilidade nacional. Pode parecer piada, mas em termos de produtividade, uma cabeleireira que cobre 50 euros por hora é considerada mais produtiva que uma que cobre 25 euros por hora.
De facto economias com níveis salariais mais elevados e onde os serviços são mais caros este efeito é mais notório. E mesmo que uma cabeleireira Portuguesa por dia sirva mais clientes que uma cabeleireira Belga, segundo os valores cobrados a sua colega Belga é mais produtiva.
Há que se dizer também que nem todos os serviços são pouco escaláveis, de facto alguns tipos de serviços são mega-escaláveis. Estamos a falar de atividades de investigação e desenvolvimento, design de produto, produção de media, etc.. Nestes o efeitos escalabilidade são sentidos porque estas atividades vão resultar num produto que pode ser vendido e distribuído através de processos que são intensivos em capital. Ou como é o caso de aplicações informáticas, várias cópias do mesmo programa podem ser vendidas sem que haja um incremento de custo marginal.
Como Sabotar Uma Economia Em Lições Fáceis de Digerir
Um dos aspetos principais a tirar da secção anterior é que nem todas as atividades contribuem da mesma maneira para a produtividade de um País. Não só os sectores de atividade têm diferentes contribuições, como as diferenças de valor acrescentado que ocorrem dentro dos próprios sectores de atividade resultam na amplificação na contabilidade nacional da produtividade especifica do sector. O que resulta que num País rico com um sector de serviços com salários elevados e preços elevados vai ser considerado como tendo maior produtividade que um País pobre com baixos salários e preços. Isto simplesmente porque as diferenças de preços e salários significam uma maior captura de valor.
Mas para que um sector de serviços possa contribuir para uma maior produtividade tem que existir um sector ou sectores de base que têm um efeito multiplicador intenso no produto nacional. Em alguns países como o Luxemburgo isto pode ser feito através dos serviços bancários e financeiros, em outros países podem ser os sectores industriais de elevado volume ou valor acrescentado. Ou em alguns caso atividades extrativas que têm um elevado excedente. Estes sectores podem empregar uma minoria da população, mas têm um efeito desproporcional porque providenciam bons empregos, com bons salários e que resultam em atividades complementares que criam uma ressonância de produtividade e multiplicação de valor acrescentado que vão aumentar o nível salarial do País inteiro.
Ora… Em Portugal nós temos um grande problema… É que na sua grande maioria as atividades industriais e serviços são de baixo valor acrescentado. Muitas vezes com baixa dimensão, baixa liquidez e baixos salários. Isto não era uma situação inevitável, nem pode-se dizer que não poderíamos ter criado as condições para um desenvolvimento industrial que permitiria suportar níveis salariais maiores. Mas para isso foram importantes uma série de auto-sabotagens que levaram à nossa situação atual.
O Problema das Transições Políticas
Os Portugueses têm uma má tradição de mudanças de regime, principalmente porque na sua maioria essas mudanças de regime resultaram em períodos de confusão e caos social e económico. E em que algumas vezes o regime que era estabelecido era fraco e vacilava entre fações que se degladiavam para obter o seu quinhão dos despojos.
Os regimes depois da monarquia absolutista nunca duraram mais de um século, sendo que os problemas económicos e sociais, e a incapacidade de reformar o sistema para obter novas respostas e vitalidade, levavam por norma ao regime ser destituído sem que os seus beneficiários levantassem um dedo para o defender. Foi assim com a Monarquia Liberal, foi assim com a Primeira Republica, e foi assim com o Estado Novo. O grande problema é que a transição é em geral feita através das armas, através do poder militar e do poder da rua.
O caos gerado mesmo no nome da autoridade e da ordem levava à fuga de capitais, ao desinvestimento e à incerteza. Sem contar com a fuga de pessoas qualificadas por razões de perseguição política. Também há que indicar que em muitos casos as pessoas que ficavam com o acesso ao poder político e poder executivo nem sempre eram as mais qualificadas. Ou as que apresentavam as características para poder executar uma transição política bem sucedida. Ou em muitos casos de poderem resolver os problemas crónicos que tinham gerado a revolução. Por exemplo, os revolucionários de 1926 que terminam com a experiência republicana são completamente incompetentes para lidar com os problemas fiscais do Estado. O que leva a que provavelmente em desespero de causa a virarem-se para Oliveira Salazar para resolver a situação. E este, com grande arte e manobra política, consegue-se posicionar para tomar conta do Estado e ser o poder único e incontestável até um AVC o incapacitar.
Infelizmente, a revolução de Abril não mudou este padrão de comportamento Lusitano. Ao dia 24 de Abril de 1973 o Estado Novo encontrava-se no seu crepúsculo, Marcelo Caetano encontrava-se isolado entre a gerontocracia cristalizada do regime, os liberais burgueses que pretendiam a abertura política, e o grande capital que queria abrir as suas asas e mostrar quem manda. A Marcelo Caetano faltava o jogo de cintura de manobra política, aquilo que tinha permitido a Salazar manter-se no poder e ultrapassar as várias crises de regime. E sendo um conservador por natureza tinha dificuldade em manter a iniciativa política. E por essa razão um golpe de estado estava por uma questão de dias ou meses.
Inicialmente todos os cálculos políticos levavam a que seria um golpe de estado de altas patentes como Generais ou Coronéis, com a provável conivência do grande capital lusitano. Mas talvez por carreirismo, ou por inércia, tal golpe não se veio a concretizar. Não é certo que isto teria sido melhor para o País, pois poderia ter degenerado num governo de junta militar com tendência para se prolongar.
O que veio a acontecer foi um golpe executado por patentes médias, que aproveitando o facto que 90% do contingente militar das forças armadas estar nas colónias ultramarinas. Conseguiu juntar o pouco equipamento e a tropa existente na metrópole nas ruas da capital, de maneira a que muito dificilmente o regime conseguiria responder de uma forma eficaz. Sendo que o Povo, que na sua grande maioria estava cansado do Estado Novo e da Guerra Colonial, apoiou o golpe com alegria. Mas o problema é que não havia um plano para o dia 26 ou o dia 27 de Abril. A revolução conduziu a um vazio de poder, que as altas patentes da junta de salvação nacional não podiam disfarçar. O facto de não haver um plano demonstrou-se na divisão imediata entre fações dentro do movimento das forças armadas.
O caos gerado pela luta política e ideológica, os golpes e os contra-golpes, a torrente de recriminações e represálias, as perseguições, o turbilhar das frustrações e esperanças na rua, criaram um ambiente onde o oportunismo e a crise estavam de mãos dadas. E muito rapidamente, a fuga de capitais, o impacto económico da descolonização nos grandes grupos económicos, e a crise petrolífera e da perda de convertibilidade entre ouro e o dólar, tornou inevitável a nacionalização da Banca e por conseguinte de grande parte das grandes empresas nacionais.
O que se seguiu foi um período de crises monetárias e de balança de pagamentos, falta de estratégia empresarial para as empresas nacionalizadas, o desinvestimento e desindustrialização. Foi a destruição do capital industrial acumulado, ou de forma intencional ou por negligência. Executada por agentes dos partidos políticos, aos quais ou só se interessavam nos bons cargos remunerados, ou como alavanca para demonstrar poder na rua. E aos poucos, os empregos industriais bem remunerados e as regalias sociais que estas empresas ofereciam foram diminuindo com o tempo. Até que no inicio dos anos 80 com mais uma crise de balança de pagamentos que leva à queda do Governo da AD. É seguido pela intervenção do FMI e do governo de austeridade do bloco central. E esta foi a machadada final aos restos da industrialização pré-revolução de Abril.
Para aqueles que se lembram, este foi um período extremamente difícil. Com salários em atraso, fome e desemprego. Um período onde as esperanças e sonhos da revolução encontraram-se com a realidade desagradável do esgotar do capital produtivo acumulado e da má gestão económica. Deste momento em diante, a grande maioria da industria mantém-se dentro de dimensões relativamente pequenas, voltando em muitos casos a exibir padrões similares ao do período liberal e da primeira republica. Sendo que a destruição da capacidade industrial de grande escala tornou mais difícil a existência de empregos de alta produtividade e de boa remuneração em Portugal.
Educação, Uma Lição em Inconsistência Estratégica
A extensão do atraso educativo Português não se mede apenas pelo continuidade da prevalência do analfabetismo, mas também pelo atraso da expansão do ensino secundário e universitário. Sendo que no inicio do regime democrático a taxa de analfabetismo rondava os 25%, algo que se podia considerar um obstáculo ao rápido desenvolvimento da economia Nacional.
O período democrático viu o acabar dos ensinos secundários industriais e comerciais, em favor de um modelo igualitário liceal. Viu uma expansão do ensino secundário e universitário para tentar acompanhar a explosão de alunos da geração da década de setenta. O destruir do sistema de ensino vocacional tornou o ensino superior a via única de acesso a um emprego qualificado, algo que varias décadas depois teve que ser corrigido.
O crescimento do sistema educativo foi acompanhado por uma certa desorganização e falta de recursos. Pois era comum em escolas construídas à pressa, haver faltas de professores, equipamentos e estruturas. Tais como, ginásios, balneários, fotocopiadoras, papel, etc.. Ao mesmo tempo a administração escolar passou a ser hiper-centralizada, longe estava a figura do diretor de escola com autonomia administrativa. O ministério da educação passava a gerir os mais pequenos aspetos das instituições escolares até ao nível do secundário.
A educação durante os sucessivos governos democráticos é uma lição como não se devia fazer uma política de desenvolvimento económico. E isso é claramente aparente na dissonância no que é o discurso publico sobre a importância da melhoria das qualificações e o que realmente é implementado no terreno. Aliás, em muitos casos o que é mais aparente é que as questões orçamentais e políticas têm mais importância no que é implementado do que qualquer estratégia de desenvolvimento económico.
Em primeiro lugar o que é aparente é um esforço em limitar o numero de alunos que tem acesso ao ensino superior publico. E isto é óbvio no caso da PGA, um suposto exame de cultura geral, interpretação e escrita critica que não resultou em nada. Para além de criar a necessidade para mais um exame de utilidade dúbia, e que cuja leitura nas entre-linhas é que os candidatos ao ensino superior tinham que ser filtrados pelo seu nível cultural e de expressão escrita.
O outro ponto dentro do mesmo período governativo é a introdução das propinas no ensino superior, sobre o pretexto da justiça social e necessidade das instituições de ensino superior terem meios próprios de financiamento. Aqui o problema é claro, no sentido que ia criar dificuldades a alunos de extratos sociais mais pobres. O esquema das propinas serem ou não cobradas conforme a declaração de IRS foi chumbada por alunos ativistas na sua maioria de esquerda. E que por ironia estavam muitas vezes isentos de pagar, ou pelo historial militar dos seus pais ou outras razões. O resultado foi todos pagarem.
Um aspeto que é de referenciar também é o fetichismo pelo rigor dos exames, muito pelo facto dos luminários das instituições académicas acharem que os alunos do secundário devem ter a disciplina de alunos universitários veteranos. E por isso terem a lição toda estudada, o que implica que os ditos luminários só têm o trabalho de despejar os conhecimentos que eles acham importantes. Mas nada que é curricularmente trivial e pouco interessante. O que resulta muitas vezes em pressões para reformas educativas que tipicamente falham em produzir resultados e adicionam ainda mais carga letiva aos alunos do secundário.
Em contrapartida, a burocracia do ministério da educação trabalha incansavelmente para atingir números e para criar escolas cada vez maiores. Que são cada vez mais difíceis de gerir, e que cada vez têm mais responsabilidades no sentido de serem os ATLs por defeito da grande maioria da população que trabalha. Esta burocracia vive no seu próprio mundo, entre teorias pedagógicas, objetivos políticos, carreiras profissionais, a sua legitimidade e influência. É um sistema permeável aos desmandos e medidas avulsas dos ministros, mas que ao nível do que é importante como a organização das escolas e dos currículos tem por natureza sido pouco sensível a mudanças corretivas.
Por mais supostas paixões pela educação o facto é que o sistema tem dificuldades em tomar medidas corretivas de forma evolutiva. Existe demasiada tendência para medidas avulsas e sem continuidade, e uma tentação de agentes políticos e académicos de imporem reformas que causam descontinuidades. E que são muitas vezes desfeitas pelo ministro que se segue ou o governo de uma outra cor política. O sistema tem claros problemas de organização, tratando mal tanto a grande maioria dos professores quanto os seus alunos. Os primeiros porque obriga a vários anos de contractos sem estabilidade e colocação geográfica duvidosa antes de entrar nos quadros, ao excesso de trabalho administrativo adicional por quid pro quo entre os sindicatos e os governos para obterem aumentos salariais. Aos alunos, a quantidade brutal de horas letivas, e excesso de disciplinas lecionadas, horários escolares mal estruturados e escolas em más condições.
O outro problema, é que ao mesmo tempo que os sistema regurgita resultados inconsistentes. Onde a taxa de alunos que desiste do ensino obrigatório é uma das mais elevadas na UE (apesar das melhorias quantitativas em relação ao período de 1995 a 2009), e que cada vez mais cresce em termos de alunos colocados no ensino superior. Mas, onde tecido empresarial têm grande dificuldade em integrar as pessoas que saiem das escolas e instituições de ensino superior e profissional.
Um Sector Privado Sem Liquidez Nem Ideias
O sector privado empresarial Português sempre teve um grande problema em criar empresas com escala e dimensão para competir não só no mercado nacional como no mercados europeus e por esse mundo fora. E essa dificuldade é tanto maior conforme o mercado é mais avançado e sofisticado, o que resulta num foco em mercados que têm características mais sui generis e onde o risco é maior, tal como Venezuela, Angola, entre outros.
Não que isto seja a realidade de todo o sector empresarial, em sectores mais tradicionais como o calçado tem sido surpreendente a capacidade das empresas conseguirem manter competitividade nos mercados Internacionais. Isto apesar do governo português ter posto na gaveta o relatório Porter sobre competitividade e clusters na economia Portuguesa. O facto deste luminário da gestão ter dito o óbvio às elites Portuguesas não foi mais que um balde água fria nos seus sonhos de desenvolvimento de altas tecnologias. Que na realidade estavam fundamentados em nada. Porque na realidade a maioria dos esforços no sentido de localizar empresas estrangeiras de tecnologias de ponta revelaram-se ineficazes. Pois aqueles que tinham acesso aos apoios muitas vezes tinham horizontes muito limitados e queriam fazer o cash-out o mais rápido possível.
Voltando ao espaço nacional, as empresas Portuguesas sofrem de alguns problemas crónicos que dificultam a melhoria incremental da sua situação. Um dos maiores tem a ver com falta de liquidez de curto prazo e dificuldade de financiamento das operações. Este aspeto é o que cria os maiores constrangimentos, gerando uma dependência enorme da banca e do sector financeiro. Obrigando as empresas a desviar recursos para pagar juros de financiamento de tesouraria que vão cortar as margens. Que em muitos casos já são curtas, devido em grande medida ao aparecimento de múltiplos concorrentes em cada vão de escada.
A historia do sector empresarial Português está repleta de situações de crescimento em número disparatado de empresas em sectores onde vai existindo alguma liquidez. Isto vai desde os vídeo clubes, a empresas no sector têxtil, até consultorias de Tecnologias de Informação. O que normalmente cria situações de competição selvagem, falta de liquidez, e em vários casos à falta de ética para poder sobreviver. O resultado muitas vezes é que para um número tão grande de empresas estar a sobreviver num sector sem que haja consolidação vai significar que mais tarde ou mais cedo todo o sector vai entrar em colapso.
Muitas vezes o resultado deste colapso não é uma reorganização e consolidação, mas o desaparecimento de várias entidades empresariais e o aparecimentos novas empresas no sector. Que na sua maioria repetem o mesmo panorama de baixa dimensão, baixa liquidez, margens reduzidas e instabilidade financeira.
O problema da baixa liquidez cria uma situação de impossibilidade de pensar em termos estratégicos. Visto que é muito difícil tomar um risco com um novo investimento em capital num novo equipamento ou modo operação, se há uma grande probabilidade de não haver dinheiro antes que o investimento produza frutos. Isto já de si acentua uma tendência antiga Lusitana de evitar investimentos que exijam esforço e tempo para aprender. Não é por nada que são Espanhóis que compram terrenos no Alentejo para criar olivais de exploração intensiva para a exportação de Azeite, em teoria um Português poderia fazer o mesmo.
A outra razão dos problemas de liquidez para além da excessiva concorrência, está nas assimetrias de poder de mercado. Em Portugal é comum haverem grandes operadores, que ou sendo intermediários, grandes retalhistas, empresas dominantes de um sector ou o Estado, que agem como grandes clientes. Estes grandes clientes normalmente dão o mote à forma como o mercado vai operar. Tipicamente usando o seu poder de mercado para atrasar pagamentos, exigir descontos, e para jogar fornecedores uns contra os outros. O resultado é que em muitos casos o processo de atraso de pagamentos é contagioso, e resulta numa normalização da prática no mercado nacional. O que eu chamaria, um verdadeiro tiro nos pés da produtividade.
À falta de liquidez conjuga-se o excessivo conservadorismo do empresariado Português. Que nem os artigos de marketing escritos na melhor linguagem pós-moderna, carregados de palavras como: novos conceitos, inovação, tecnologia de ponta, entre muitas outras. Mas que só fazem é esconder com pomposidade o atraso em termos organizacionais da grande maioria das empresas. E o que muitas vezes acontece por detrás do teatro, são praticas de trabalho que dificultam o aproveitamento do potencial dos trabalhadores.
Eu posso dizer, que há bastantes trabalhadores em Portugal que são bastante capazes e com ideias muito boas. O grande problema começa e acaba na politiquice organizacional, e dificuldade das chefias em abrir o jogo, e a tradição de que o chefe é que sabe. Eu destaco aqui acima de tudo o problema da politiquice organizacional, visto que aqui a responsabilidade não é só das chefias mas também de funcionários. Haveria grande desenvolvimento em Portugal se as pessoas soubessem ser melhor comportadas umas com as outras e mais solidárias. Em vez de se envolverem em intrigas e situações de assédio moral, que infelizmente no panorama português estão demasiado normalizadas.
O outro aspeto do conservadorismo empresarial, é que leva muitas vezes a adiar investimentos que são necessários para a melhoria de processos e produtividade. E em vez disso, espremer o capital instalado e a força de trabalho existente. Isto, enquanto as administrações discutem quando e como a nova frota de carros de topo de gama adquiridos em regime de ALD vão ser distribuídos aos diretores. O resultado é muitas vezes que o investimento é feito de forma inconsistente quando o atraso começa tornar-se demasiado evidente. Ou em ações improvisadas que visam espremer ainda mais a força de trabalho, na esperança que seja ainda possível mugir alguma liquidez que salve a situação.
Tudo isto cria um ambiente onde é difícil aproveitar o incremento de qualificações da população Portuguesa. Para o fazer é necessário ter organizações que tenham capacidade de investir no futuro, onde haja espaço para a mobilidade social, estabilidade financeira e económica, e que as regras sejam justas com todos.
Contexto, Infraestruturas e o Papel do Estado
Historicamente o Estado Português tem sido a entidade que em território nacional tem tido os recursos e a continuidade para poder planear e afetar mudanças de médio e longo prazo. E por regra é a primeira entidade que normalmente os interesses privados do momento tentam cooptar, ou capturar. Para assim poderem minimizar o risco dos seus negócios ou garantir a sua rentabilidade. Muitas vezes isto é feito através manobras políticas, outras vezes por captura administrativa, outras por bloqueio da ação do Estado e dos seus agentes. Em alguns casos isto revelou-se em atrasos na construção de infraestruturas essenciais, como o porto de Leixões, o novo aeroporto de Lisboa, etc.. Ou então em deixar incompletos certos investimentos, ou por negligencia ou por desígnio.
O facto é que em Portugal o Estado é única entidade com o poder para poder condicionar os agentes privados e para planear no sentido de um maior desenvolvimento económico que possa trazer frutos para a toda a população. Mas o que temos é que os Estado age de duas maneiras, ambas contra-producentes e que acentuam os desequilíbrios existentes. E a primeira é promover a fragmentação dos mercados, isto é feito não só por um certo laissez-faire, mas acima de tudo pela falta de controlo de agentes de mercado com excesso de poder de mercado e evitar promover a consolidação de empresas. Isto resulta num mercado canibalistico em que existe um número demasiado elevado de competidores, na sua maioria estão descapitalizados e alavancados, e com um baixo nível de diferenciação. O resultado é que estas pequenas e médias empresas ficam expostas ao risco de excessiva intermediação ou de atores com excesso de poder de mercado que vão comer ainda mais as suas margens.
O segundo aspeto é o estabelecer de estruturas e instituições extrativas, como monopólios ou modelos de negócio baseados em extração de rendas. No sentido de favorecer interesses que capturaram o Estado e manter uma determinada ordem social. Infelizmente o Estado Português tem uma grande tradição de criar este tipo instituições, e instituições essas que tipicamente prolongam as desigualdades sociais. Mais recente aparecimento destas instituições extrativas aparece pela privatização in-extremis de empresas publicas que são monopólios ou dominantes no mercado Português. O que garante em muitos casos a baixa da qualidade dos serviços e o aumento do preços. Outro exemplo é a implementação das estruturas para produzir energia via renováveis, que em muitos casos garantiam rentabilidades de capital muito acima do necessário e que passam os custos ao consumidor via o preço da eletricidade ou via o suposto défice tarifário.
O resultado das ações e da inações do Estado é um sistema pouco favorável ao investimento produtivo, que permite a certos atores uma liberdade quase total de fazerem o que querem e bem entendem (em que alguns chegaram ao ponto de se acharem donos disto tudo e enquanto se promoviam como arautos do desenvolvimento, quando não mais eram mais que cabecilhas de um esquema ponzi que tirava dinheiro de um lado para por em outro). E em que o regulador está na mesma cama com o regulado, e onde o acesso é controlado e restringido. Do outro lado, o Estado tem um modelo de regulamentação da sociedade extremamente prescritivo, e com tendência para criar regras bizantinas e extremamente complexas. E por hábito implementadas via um sem numero de entidades do Estado, cada uma adicionando o seu nível de complexidade.
Se uma coisa é certa em Portugal é que as regras do jogo nunca são simples e diretas, que os árbitros nem sempre são neutros, ou que haja a intenção de se fazer o que quer que seja. O que implica que para navegar neste mar de regras o sistema está dependente da boa vontade de atores dentro das várias instituições do poder Central ao poder Local. Isto cria um clima que infelizmente favorece as tentativas de corrupção, o favorecimento indevido, e a fuga às regras. Talvez aqui resida muita da dificuldade em captar investimento estrangeiro, e porque muitas multi-nacionais preferem estabelecer ou centralizar operações em Espanha.
Apesar das elites, dos ministros e políticos na sua generalidade, promoverem os baixos salários para apelarem ao investimento estrangeiro. Esquecem-se que criaram um contexto de custos elevados, seja pelas regras de licenciamento, pela energia elétrica cara, ou pelo inferno que é ter que ir à uma secretaria de serviços do Estado para fazer o que seja. Ao mesmo tempo que se esqueceram de criar uma infraestrutura integrada de transporte que funcionasse como o turbo da economia. Em vez disso carregaram na opção cara das Auto-Estradas, que não foram mais que uma forma de criar mais frentes de crescimento urbano desregulado. E onde a grande maioria das entidades de ensino superior estão completamente divorciadas do sector empresarial.
Em Conclusão…
A baixa produtividade em Portugal do ponto vista macro é o resultado de um ciclo vicioso entre várias instituições. E por uma grande vontade em não mudar hábitos ou aprender com os falhanços. Parece que cada grupo está mais interessado em manter o seu estatuto relativo nem que seja à custa da grande maioria da população Portuguesa. E a continuar neste caminho não podemos esperar que coisas boas aconteçam, e também não podemos esperar que UE e a cornucópia dos fundos Europeus resolva o que quer que seja sem que haja capacidade do lado de cá para utilizar estes de forma positiva. Mas a continuar este caminho podemos esperar o colapso de instituições, e até de direitos e liberdades em nome de uma ilusiva esperança de segurança económica.